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O TRABALHO INFANTIL E A IMPORTÂNCIA DO CONSUMO CONSCIENTE

Propomos aqui uma análise da relação do trabalho infantil com o consumo consciente. Para isso apresentaremos três importantes indústrias, a têxtil, do chocolate e a tecnológica.

A despeito dos programas voltados à erradicação do trabalho infantil, pesquisa divulgada pela OIT – Organização Internacional do Trabalho, constata que ainda há 168 milhões de crianças trabalhando no mundo, sendo que 85 milhões atuam nas piores formas, muitas vezes em condições sub humanas. Talvez  esses números não revelem o tamanho real desta ferida social, pois há muita coisa difícil de ser monitorada, fiscalizada  e quantificada mundo afora.

No Brasil a mão de obra infantil está estimada em 2,6 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos, segundo dados  da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) , do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Elas podem ser encontradas em serviços domésticos, na agricultura, no comércio informal, nos semáforos como malabares, vendedores de bala, nas feiras livres, nos lixões, em carvoarias e madeireiras.

Vários mitos tentam justificar o trabalho infantil, tais como: é melhor ver crianças trabalhando do que vê-las se drogando ou roubando, que o trabalho dignifica o homem e deve acontecer desde cedo para a formação de adultos trabalhadores e progresso da nação.

Muitos pais ainda acham que assim como um dia eles próprios ajudaram nas despesas em casa, seus filhos também devem repetir esse ciclo. É necessário desfazer o mito de que o trabalho precoce pode contribuir para o desenvolvimento humano e social, pois isso é uma grande mentira.

A sociedade precisa se conscientizar que o trabalho infantil causa danos enormes sobre o aspecto físico, emocional, intelectual e social da criança, que é um ser ainda em formação. Ele perpetua o ciclo da pobreza e miséria,  e compromete o desenvolvimento humano e social. Para que possa se desenvolver integralmente, a criança precisa antes de trabalhar, brincar livremente, se socializar com outras crianças, estudar e aprender.

Temos muitas entidades e instituições organizadas na luta pela erradicação do trabalho infantil no Brasil e no mundo.  Aqui, a  Rede Peteca  –  Chega de trabalho infantil é uma delas. Trata-se de uma plataforma de comunicação que promove os direitos da criança e do adolescente, disseminando informações relevantes para a conscientização da sociedade e seu engajamento em prol desta causa. Além da Rede Peteca, há também o FNPETI – Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, entre outras.

Muitas vezes a questão do trabalho infantil parece algo distante de nós, mas basta circular pela cidade para constatar a presença de crianças trabalhando em feiras livres, tomando conta de carros, lavando para-brisas nos semáforos. Quantas vezes em restaurantes não somos abordados por crianças  que escapam aos olhos do gerente e acabam entrando e circulando entre as mesas vendendo flores, panos de prato, etc…?

Mas o que tenho a ver com isso?

Parecemos ignorar que, por trás de tudo aquilo que consumimos, desde o alimento que colocamos na mesa, passando pelas roupas e sapatos que usamos, até os celulares que seguramos nas mãos, subjaz uma longa cadeia produtiva que envolve milhares de seres humanos, legislações trabalhistas, ambientais e sociais que devem ser cumpridas, hábitos de consumo da sociedade, etc…

Desta forma não podemos nos eximir da responsabilidade sobre esta triste realidade. Não podemos achar que essa questão não nos diz respeito e que não é um assunto que nos envolve pessoalmente. A falta de empatia nos torna cúmplices e perpetuadores desse câncer social.

Como consumidores devemos questionar a procedência dos produtos adquiridos por nós, procurar conhecer em que condições são produzidas as coisas que compramos. Quem faz as roupas que usamos? Onde essas roupas são produzidas e em quais circunstâncias? E os alimentos que comemos, e os objetos que compramos?

Somos responsáveis pela cobrança de uma cadeia produtiva ética, que promova o desenvolvimento e bem estar social, de uma cadeia livre de trabalho infantil, trabalho escravo e tráfico humano.

Basta analisarmos a indústria têxtil, do chocolate e a tecnológica para constatarmos que cada um tem sua parcela de responsabilidade enquanto consumidor.

 

Com que roupa eu vou?

O Brasil é a quinta maior indústria têxtil do mundo. Segundo dados da ABIT –  Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), a indústria têxtil gera um faturamento anual de 53,6 bilhões de dólares (166 bilhões de reais) e emprega mais de 1,6 milhão de trabalhadores, distribuídos nas 33 mil empresas instaladas pelo país.

Dados levantados em 2015 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), apontam que 3,8% de crianças e adolescentes que trabalham no Brasil estão na indústria têxtil, trabalhando em pequenos núcleos familiares. Familiar aqui não pode ser entendido como sinônimo de aconchegante, pois na verdade o cenário que se vê na maioria das vezes é um ambiente bem hostil e inóspito para a infância.

 

Trabalho Infantil

Um relatório do Overseas  Development Institute sobre o trabalho infantil em Bangladesh, revelou crianças de 6 a 14 anos que trabalham na indústria têxtil mais de 60 horas semanais, com baixíssima remuneração, aumentando o lucro de grandes empresas inescrupulosas.

Em 2013 na capital de Bangladesh, uma grande tragédia revelou ao mundo o lado obscuro da indústria da moda, que evidenciou  o apetite voraz  das grandes marcas por altos lucros e dos consumidores pela moda descartável, por roupas de baixo custo. Um prédio onde funcionava uma fábrica de tecidos que produzia para grifes globais desabou, matando mais de 1.000 pessoas e deixando aproximadamente 1.300 feridas.

 

Trabalho infantil

O alerta deu origem ao movimento mundial Fashion Revolution, que visa conscientizar a sociedade sobre o funcionamento da indústria da moda, no intuito de provocar mudanças.  No Brasil, o movimento é atuante e tem sensibilizado centenas de pessoas em campanhas como a  FASHION EXPERIENCE: CONSUMO CONSCIENTE CONTRA O TRABALHO INFANTIL

(Fonte de Informações Rede Peteca)

 

O chocolate nosso de cada dia

Diariamente alimentamos uma indústria que só vem aumentando seu lucro ano a ano. O brasileiro consome 2,5 quilos, em média, de chocolate por ano, representando o quinto maior mercado de alimento no mundo, com faturamento de R$ 12,4 bilhões em 2015, dados fornecido pela Abicab – Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados, e divulgado em matéria publicada pelo Valor Econômico.

http://www.valor.com.br/empresas/4861618/fabricantes-de-chocolate-esperam-pascoa-ate-10-mais-gorda

A indústria do chocolate está diretamente ligada a uma triste realidade de escravidão, exploração infantil e tráfico de crianças nas fazendas de cacau na Costa do Marfim, país responsável por aproximadamente metade de toda a produção mundial de cacau.

Crianças entre 11 e 16 anos, muitas até menores que isso, estão confinadas  em plantações de cacaueiros, forçadas a trabalhar de 80 a 100 horas semanais em condições precárias, desprovidas completamente daquilo que entendemos que deva ser chamado como infância.

Trabalho infantil

Empresas como a Nestlé, Barry Callebaut e Mars assinaram em 2001 o Protocolo do Cacau, comprometendo-se a erradicar totalmente o trabalho infantil no setor até 2008. Como já era esperado, a meta não foi atingida, e o prazo para cumprimento do acordo foi prorrogado.

Apesar da declaração de altos investimentos pelas empresas produtoras de chocolate, governos e organizações especializadas em prol da erradicação do trabalho infantil, e do tráfico de crianças no mercado internacional de cacau, pouca coisa mudou efetivamente.

O premiado jornalista dinamarquês Miki Mistrati, num documentário tocante, “O lado negro do chocolate”, denunciou a indústria do chocolate que sustenta o tráfico de crianças nas fronteiras da Costa do Marfim e a sua escravidão nas plantações de cacau.

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Neste documentário foram entrevistados tanto os mantenedores quanto os combatentes deste tipo de prática. Câmeras escondidas e identidades falsas foram usadas para vasculhar e revelar ao mundo as condições desumanas que milhares de crianças são submetidas. O documentário mostra as evasivas dos proprietários das empresas fornecedoras de matéria prima e dos representantes das empresas produtoras de chocolate.

 

 

O mundo digital que desfrutamos

Você sabia que para termos as baterias de nossos celulares, computadores, etc…, milhares de crianças sofrem trabalhando nas minas de extração do cobalto na República do Congo?

A República Democrática do Congo é  um dos países mais pobres do mundo, entretando é rico em recursos minerais. Produz 60% do cobalto usado em todo o mundo. Este minério é um componente essencial na produção de baterias dos smartphones e computadores portáteis de marcas como a Apple e Samsung.

Boa parte do cobalto é extraído à mão e vendido a comerciantes americanos e chineses, que procuram o melhor preço sem questionar sua origem, bem como sua forma de extração.

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Existem milhares de minas clandestinas, onde homens, mulheres e crianças trabalham sob condições de escravidão. Crianças de apenas 8 anos chegam a trabalhar 12 horas por dia, a maioria sem sapatos, nem luvas ou máscaras,  sob  qualquer condição climática, seja sol intenso ou chuva  forte, carregando sacos pesados, sofrendo ameaças e agressões físicas. Totalmente expostas aos efeitos danosos à saúde que o cobalto e seus vapores provocam.

No link abaixo você pode assistir um comovente vídeo mostrando as atrocidades vivenciadas por crianças nas minas de cobalto:

Https://www.youtube.com/watch?v=op3FkZ4_DFQ

Trabalho infantil

 

Este é um convite para uma grande reflexão. Vivemos em uma sociedade repleta de desigualdades, explorações, ausência de oportunidades e muita carência, ao mesmo tempo em que testemunhamos muita fartura, excessos, e sobras.

Acredito que a educação seja ainda a forma mais eficaz de combater todos esses transtornos que afligem a humanidade, causados pela sociedade contemporânea que  vive de forma automática no dia a dia, sem questionamentos sobre o por quê das coisas serem como são, funcionarem deste ou daquele modo.

Ao refletirmos um pouco sobre a obra de Ítalo Cavino, Cidades Invisíveis, publicada em 1972, nos daremos conta que  tal qual a  cidade de Leônia, não percebemos mais os custos sociais e ambientais deste mundo permanentemente faminto por invenções e inovações, cego pelo desejo do último modelo da última geração, dando valor aos bens imediatos em detrimento aos bens duráveis, produzindo e amontanhando lixos e dejetos, descartando coisas que rapidamente se tornam obsoletas pela sociedade consumista.

Fica aqui um trecho deste livro que mostra que qualquer semelhança não é mera coincidência.

“A cidade de Leônia refaz a si própria todos os dias: a população acorda todas as manhãs em lençóis frescos, lava-se com sabonetes recém-tirados da embalagem, veste roupões novíssimos, extrai das mais avançadas geladeiras latas ainda intatas, escutando as últimas lengalengas do último modelo de rádio.

Nas calçadas, envoltos em límpidos sacos plásticos, os restos da Leônia de ontem aguardam a carroça do lixeiro. Não só tubos retorcidos de pasta de dente, lâmpadas queimadas, jornais, recipientes, materiais de embalagem, mas também aquecedores, enciclopédias, pianos, aparelhos de jantar de porcelana: mais do que pelas coisas que todos os dias são fabricadas vendidas compradas, a opulência de Leônia se mede pelas coisas que todos os dias são jogadas fora para dar lugar às novas. Tanto que se pergunta se a verdadeira paixão de Leônia é de fato, como dizem, o prazer das coisas novas e diferentes, e não o ato de expelir, de afastar de si, expurgar uma impureza recorrente. O certo é que os lixeiros são acolhidos como anjos e a sua tarefa de remover os restos da existência do dia anterior é circundada de um respeito silencioso, como um rito que inspira a devoção, ou talvez apenas porque, uma vez que as coisas são jogadas fora, ninguém mais quer pensar nelas.

Ninguém se pergunta para onde os lixeiros levam os seus carregamentos: para fora da cidade, sem dúvida; mas todos os anos a cidade se expande e os depósitos de lixo devem recuar para mais longe; a imponência dos tributos aumenta e os impostos elevam-se, estratificam-se, estendem-se por um perímetro mais amplo. Acrescente-se que, quanto mais Leônia se supera na arte de fabricar novos materiais, mais substancioso torna-se o lixo, resistindo ao tempo, às intempéries, à fermentação e à combustão. E uma fortaleza de rebotalhos indestrutíveis que circunda Leônia, domina-a de todos os lados como uma cadeia de montanhas.

O resultado é o seguinte: quanto mais Leônia expele, mais coisas acumula; as escamas do seu passado se solidificam numa couraça impossível de se tirar; renovando-se todos os dias, a cidade conserva-se integralmente em sua única forma definitiva: a do lixo de ontem que se junta ao lixo de anteontem e de todos os dias e anos e lustros.

A imundície de Leônia pouco a pouco invadiria o mundo se o imenso depósito de lixo não fosse comprimido, do lado de lá de sua cumeeira, por depósitos de lixo de outras cidades que também repelem para longe montanhas de detritos. Talvez o mundo inteiro, além dos confins de Leônia, seja recoberto por crateras de imundície, cada uma com uma metrópole no centro em ininterrupta erupção…”

Boa reflexão

Abraço carinhoso

Ana Lúcia Machado

SABOTADORES DA INFÂNCIA – DA ESCASSEZ AO EXCESSO

Sabotadores da infância

A  luta por uma infância digna ainda é grande e deve ser nossa prioridade absoluta. São vários os sabotadores da infância que precisam  ser combatidos. Eles vão desde aspectos caracterizados pela escassez, até o outro extremo, os excessos da sociedade.

O desenvolvimento saudável da Primeira Infância é a base da prosperidade econômica e justiça social de uma nação. Sabemos que as primeiras experiências da vida de uma criança são incorporadas por ela, permanecendo por toda a vida. O que é vivenciado na infância afeta o  aprendizado, o comportamento, saúde, e segue reverberando ao longo da existência de cada indivíduo. Por isso, os sabotadores da infância que apontaremos aqui, precisarão ser encarados com seriedade em todas as esferas.

Nos próximos artigos no Educando Tudo Muda vamos falar um pouco sobre cada um dos sabotadores da infância. Queremos aprofundar um a um.

SABOTADORES DA INFÂNCIA

  1. TRABALHO INFANTIL

O trabalho infantil é um dos mais vis sabotadores da infância, um grave problema que enfrentamos no país. Mais de 2,670 milhões de crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, trabalham no Brasil, segundo informações da Rede Peteca/Chega de Trabalho Infantil. O trabalho infantil está ligado às atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não.

Pesquisa divulgada pela OIT – Organização Internacional do Trabalho, constata que o setor que mais explora a mão de obra infantil no mundo, é o agrícola, representando 58,6%, seguido pelo setor de serviços, com 32,3%, sendo 6,9% em serviços domésticos, e do setor industrial, correspondendo a 7,2%.

Sabotadores da infância

O trabalho na agricultura expõe a criança a uma série de riscos: intoxicação por agrotóxicos, queimaduras solares, transporte de peso excessivo, instrumentos cortantes, etc.

O corpo da criança  está em formação. Ossos e músculos ainda não estão totalmente desenvolvidos e podem sofrer deformações. Fígado, baço, rins, estomago e intestinos estão mais sujeitos à intoxicação.

Com relação ao trabalho doméstico, as meninas são as que mais sofrem. Muitas trabalham apenas por comida ou roupa, sem  remuneração. Elas correm maior risco de violência física, psicológica e abuso sexual.

A Constituição Federal proíbe o trabalho infantil. A idade mínima para o trabalho é de 16 anos. Antes disso, a partir dos 14, o adolescente pode ser apenas aprendiz.

O trabalho precoce prejudica a vida toda de um indivíduo. Compromete a infância pela falta do brincar, e  aprender. Prejudica a escolarização e acaba levando ao abandono escolar. Uma criança que entra no mercado de trabalho dessa maneira, receberá um salário menor por toda a vida.

Muitas vezes esta realidade parece  distante de nós, mas basta circular pelas feiras livres da cidade para constatar a presença de crianças trabalhando.  Recentemente no Carnaval de rua da cidade de São Paulo, muitas crianças trabalharam duro ao lado de vendedores ambulantes.

O trabalho infantil causa danos enormes sobre o aspecto físico, emocional, intelectual e social da criança, que é um ser em formação. Perpetua o ciclo da pobreza e miséria,  e não promove a criança para a vida social.

 

2. ALFABETIZAÇÃO PRECOCE

A aceleração do letramento é um dos sabotadores da infância mais desrespeitosos à natureza da criança. Faço parte de uma geração que passou os primeiros anos de vida brincando em casa, com amigos da vizinhança, cuidando da minha cachorrinha, ouvindo histórias, andando de bicicleta nas ruas do meu bairro, e assim descobrindo e explorando o mundo. Na pré-escola , até os 7 anos,  aprendi muitas canções, ouvi muitas histórias, desenhei, pintei, recortei, colei, pulei corda, brinquei de roda, casinha, médico, professora. Aprendi a dividir com os amiguinhos, jogar de acordo com as regras, pedir desculpas quando necessário, cuidar das plantinhas, guardar e arrumar o que tirava do lugar, não mexer no que não fosse meu.

Há uma grande diferença entre a minha vida de menina e a vida das crianças nos dias de hoje. Os anos pré-escolares se transformaram em uma competição acadêmica exaustiva. A Educação Infantil ficou muito parecida com o Ensino Fundamental, por causa da ênfase na alfabetização.

Sabotadores da infância

Atividades que requerem que a criança seja capaz de se sentar em uma mesa e completar uma tarefa usando lápis e papel, que antes estavam restritas às crianças de 5 e 6 anos de idade, são agora dirigidas às crianças ainda mais novas, que não têm habilidades motoras e não têm a capacidade de concentração para isso, com exigências de que devem concluir seus trabalhos e atividades, antes que possam ir brincar.

Na contra mão desta aceleração,

especialistas afirmam que o aprendizado formal  é mais produtivo  a partir dos 6 anos de idade, pois é quando as crianças são mais capazes de lidar com ideias abstratas. Afirmam também que  crianças que chegam à escola socialmente adaptadas, que sabem seguir instruções, compartilhar, ajudar os amigos, terão mais chance de dominar a escrita, a leitura, e os números.

Em 2007, o Conselho de Pesquisa Econômico e Social da Inglaterra publicou um documento que contou com a participação de dezessete especialistas de diversas universidades europeias interessados na discussão entre a neurociência e a educação, que diz o seguinte:

“Contrariando a crença popular, não existem evidências neurocientíficas que justifiquem começar a educação formal o quanto antes. A plasticidade do cérebro é um fenômeno que dura a vida inteira, não somente nos primeiros anos.”

O trabalho nos primeiros anos de vida com a criança deve estar focado no desenvolvimento integral do ser humano, centrado no amadurecimento emocional, psicológico e social da criança.

 

 3. DÉFICIT DE NATUREZA

Estatísticas mostram que 80% da população brasileira vive em cidades e que as crianças que moram nos grandes centros urbanos passam 90% do seu tempo em locais fechados, dentro de casa,  em frente da televisão, jogando vídeo games, ou nas escolas dentro de salas de aula. Quando saem com os pais vão ao shopping, restaurante ou cinema.

Segundo dados do relatório Children & Nature Network, as crianças brasileiras  estão entre aquelas que tem menos contato com a natureza. Doenças que passaram a ser comum entre as crianças nos dias de hoje, tais como  transtorno de hiperatividade, déficit de atenção, depressão, pressão alta e diabetes, obesidade, estão diretamente ligadas com a falta de natureza.

Um movimento de retorno à natureza está se espalhando pelo mundo e já chegou ao Brasil. Trata-se do movimento de incentivar as crianças  a brincar ao ar livre, em áreas verdes. Uma pesquisa recente mostrou que 40% das crianças brasileiras passam uma hora ou menos ao ar livre. Um número inexpressivo. A expressão Transtorno do Deficit de Natureza  está circulando e sendo usado  por pediatras, psicólogos, educadores. Médicos já estão prescrevendo natureza para as crianças.

Sabotadores da infância

O que a falta de natureza pode causar?

-musculatura fraca, pela falta de atividade física

-falta de equilíbrio, pelo predomínio de pisos lisos, cimentados que oferecem pouca oportunidade de instabilidade na movimentação corporal

-obesidade infantil, associada a maus hábitos alimentares

-deficiência de vitamina D

-aumento de incidência de miopia

-menor uso dos sentidos

-ansiedade

Os benefícios da natureza já estão comprovados. Mais tempo ao ar livre regula hormônios, reduz a agressividade, hiperatividade e obesidade. Sucesso vem sendo obtido no tratamento de transtorno de déficit de atenção, depressão, e até mesmo quadros alérgicos, pois o contato com os antígenos naturais no campo ou na praia  fortalece o organismo. Além disso, aumenta  a capacidade cognitiva, e  as crianças ficam mais focadas e criativas.

Uma caminhada por uma mata fechada é capaz de promover bem estar e  tranquilidade. Assim que os odores da mata adentram o organismo humano, os níveis de estresse e irritação diminuem. A exposição mais prolongada e intensa ao cheiro do verde pode reduzir  a pressão arterial e fortalecer nossa imunidade.

Entre os sabotadores da infância apresentados, a desconexão com o mundo natural é aparentemente o mais simples de se resolver, entretanto requer esforços das famílias e das escolas para que se reverta este cenário de afastamento e se estabeleça novos hábitos de conexão no cotidiano das crianças.

 

LEIA TAMBÉM: O MUNDO DA CRIANÇA É REDONDO

 

4. USO EXCESSIVO DA TECNOLOGIA

O acesso precoce e abusivo dos dispositivos digitais por crianças pequenas, é um dos sabotadores da infância que vem “trabalhando” em silêncio há algumas décadas e que agora explode de maneira assustadora.

Hoje já são oito milhões de pessoas viciadas em internet no país, segundo o Grupo de Dependência Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do  Hospital das Clínicas de São Paulo. De acordo com o Dr. Cristiano Nabuco, psicólogo e coordenador do Grupo, a situação é preocupante. Ele tem atendido casos de crianças viciadas em smartphones, videogames e tablets, incapazes de se relacionar sem ser virtualmente, de manter a concentração, dar sequência a um raciocínio lógico. Há casos de crianças com um pouco mais de 2 anos de idade que não comem, nem vão para a cama se não tiverem o aparelho ao lado.

A recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria é que crianças menores de 3 anos não tenham acesso e nem sejam expostas passivamente aos aparelhos tecnológicos. Às crianças maiores, a orientação é de limitar o uso ao máximo uma hora por dia. Recomenda-se ainda que crianças de 0 à 10 anos não tenham TV no quarto.

Por que  pais e educadores devem ficar atentos ao acesso tecnológico precoce e intenso?

O Dr. Cristiano Nabuco explica que “nosso cérebro sofre um processo de amadurecimento que só é finalizado após a maioridade, aos 21 anos. A região do córtex pré-frontal é a última área a ser finalizada, e o córtex é responsável pelo nosso raciocínio lógico e também pelo controle dos impulsos, nosso freio comportamental”. E mais: “existem operações mentais que precisam naturalmente serem feitas e o grau de estimulação de um tablet desrespeita essa ‘ecologia’, essa natureza de desencadeamento da lógica”.

Já se sabe por meio de estudos que quanto mais a criança ficar exposta a tecnologia, piores serão suas funções cognitivas, como a memória e desenvolvimento da atenção. O uso precoce e excessivo da tecnologia na infância pode prejudicar o desenvolvimento infantil, causando dificuldade de concentração, má qualidade do sono, sedentarismo, problemas de saúde mental, atraso de aprendizagem, entre outros distúrbios.

O mais interessante é que pais que trabalham no Vale do Silício, a meca tecnológica dos EUA, executivos de grupos como Google, Apple, Hewlett-Paackard, eBay, etc, tem preferido matricular seus filhos em escolas que sequer têm wi-fi. Não é a tecnologia usada em sala de aula o que julgam importante para o aprendizado da criança, e sim a filosofia de aprendizagem. Tudo porque eles entendem que a tecnologia de hoje será obsoleta amanhã, e que o relevante é o estímulo à criatividade, curiosidade,  habilidades artísticas, e a capacidade de mudanças. O próprio Steve Jobs foi um pai low-tech que controlava e limitava a quantidade de tecnologia aos filhos dentro e fora de casa.

As crianças só migram para a tecnologia porque estão confinadas em casa. Pense nisso.

 

    5.AGENDA LOTADA

Este é um dos sabotadores da infância mais sutis, que passa desapercebido pela maioria de nós. Já parou para pensar na complexidade das agendas infantis atualmente?  Muitas crianças mantêm uma agenda que faria qualquer CEO adoecer. As crianças são levadas de um compromisso a outro, de segunda-feira à sábado. Suas agendas estão lotadas de cursos extracurriculares, do balé para o inglês, mandarin, da yoga para o Kumon, e também natação, judô, piano, etc… Muitas crianças têm atividades extracurriculares no mínimo três vezes por semana, ultrapassando 50 horas semanais de atividades, entre escola, cursos, esportes e reforços escolares.

Sabotadores da infância

O que pretendemos com isso? Formar uma  super geração competitiva? Prepará-los  para o sucesso? A superestimulação promovida pelos adultos tem  levado as crianças ao esgotamento. Estímulo demais, concentração de menos. Estamos adoecendo nossas crianças.

Esquecemos que elas desde cedo tem no próprio ambiente natural, familiar, estímulos suficientes para seu desenvolvimento. Os estímulos externos criados artificialmente pelos adultos com o intuito de acelerar o desenvolvimento, anulam o que a criança tem de mais precioso que é sua motivação interna, alimentada por sua curiosidade inata.

O não fazer nada para a criança é muito importante, é o momento que ela faz de conta, inventa brincadeiras, faz seu brinquedo.  O tempo livre, o “tédio”, nada mais é que a oportunidade da criança entrar em contato consigo mesma,  estimular o pensamento, a fantasia e a concentração.

 

    6.MEDICALIZAÇÃO INFANTIL

Você sabia que o Brasil é o segundo maior consumidor  mundial de Ritalina? Trata-se de um medicamento indicado para o tratamento de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Em 2010 foram vendidas  cerca de 2 milhões de caixas, um aumento de 775% na última década, segundo a Anvisa.

Estamos vivendo um momento de patologização extrema de comportamentos infantis. Milhares de crianças estão sendo diagnosticados com algum tipo de transtorno: Transtorno de Défict de Atenção, Hiperatividade, Transtorno  Desafiador Opositor,Transtorno Obssessivo  Compulsivo, Transtorno do Comportamento Disruptivo, Transtorno Desintegrativo,  Transtorno de Ansiedade, Dislexia e por aí vai.  Até mesmo crianças pequenas estão engolindo antidepressivos com leite.

Com a justificativa de melhorar o desempenho escolar, as  conquistas de desenvolvimento que não acontecem no período esperado, e promover mudanças comportamentais não aceitas socialmente,  o medicamento tarja preta,  Ritalina, Concerta , tem sido prescrito, para tornar as crianças “obedientes, disciplinadas e concentradas”. Este é um dos sabotadores da infância mais covardes.

Para se ter uma ideia da gravidade da situação, já temos uma entidade voltada para o tema, a Associação Brasileira de Cientistas para Desconstrução de Diagnósticos e Desmedicalização,  além de um curso com este foco,  “Da palmatória a ritalina – especialização em desconstrução de diagnósticos para desmedicalização”.

Atualmente já são  quase 500 tipos descritos de transtornos mentais  e de comportamentos, segundo o Manual de Diagnósticos e Estatísticas de Doenças Mentais.  Coisas normais da vida como a timidez, a teimosia, ou até mesmo a rebeldia infantil, estão sendo enquadradas em algum tipo de transtorno. É a normalidade e as diferenças individuais sendo medicalizadas.

Sabotadores da infância

Precisamos fomentar este debate em prol da saúde da criança e  enfrentar cada um dos sabotadores da infância de frente. Sopre esta semente ao vento, há de cair em solo fértil e tornar-se árvore frondosa. Participe deixando seu comentário e compartilhando este artigo.

abraço carinhoso

Ana Lúcia Machado