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INFÂNCIA HIPERDIGITALIZADA


Infância hiperdigitalizada foi assunto do programa ‘Região em Foco’ da Rádio Ondas FM97,7 (Região dos Lagos -RJ), apresentado pelo jornalista Leandro França. Fui convidada para falar sobre o excesso do mundo digital na vida das crianças depois de ter publicado um artigo sobre o aumento do tempo em frente as telas pelos pequenos.

A entrevista está no meu canal do Youtube e foi transcrita para compartilhar aqui no Educando Tudo Muda, confira:

Infância Hiperdigitalizada nas ondas do rádio

Infância hiperdigitalizadaTivemos acesso ao artigo “Infância Hiper Digitalizada” e trazer este assunto aqui na pauta do nosso programa é interessante, já que as telas invadiram de vez a vida dos pequenos. Quais as influências que essas tecnologias exercem no comportamento infantil durante a fase de formação e desenvolvimento?  Nós vivemos sob a influência de uma  revolução tecnológica há muito tempo, e   agora com a COVID 19 o mundo inteiro  se rendeu  às telas.  Fomos todos sugados para dentro dos nossos próprios mundos digitais.  As telas representam hoje educação à distância,  socialização com familiares e amigos,  entretenimento e estão sendo usadas até mesmo para consultas médicas.

Mas em relação às crianças , temos que considerar as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria que orienta que  crianças de até dois anos de idade não sejam expostas a telas e que as de até cinco anos tenham contato por menos de uma hora por dia.  Para este período de quarentena a recomendação é que aos menores de 2 anos, seja  liberado apenas para o uso afetivo, gerenciado pelos pais. O que é o uso afetivo? É aquela chamada com vídeo para ver os avós, tios e primos, amiguinhos da escola. Nas outras idades é importante combinar um tempo mínimo para isto, sempre com algum  monitoramento.  Por quê essas  orientações? E aí eu respondo a sua pergunta:

Para se constituir como um ser humano,  a criança depende do ambiente em que vive, dos estímulos que recebe e da interação e convívio com outros seres humanos.  Os primeiros anos de vida correspondem a um tempo primordial da constituição psíquica da criança, da apropriação do próprio corpo por meio dos sentidos, da relação consigo mesma, e das relações com o outro, e tudo isso depende de experiências de  vida no mundo real, de estímulos sensoriais  capazes de  afetar o corpo da criança, e que permita a ela perceber variados cheiros, sons, sabores, impressões táteis.  O mundo virtual não oferece à criança as impressões do mundo natural e a dimensão do humano em suas relações.

Os fenômenos, as manifestações de vida, os processos, não podem ser absorvidos por meio de visualizações, emojis e curtidas. A vida é apreendida pela criança, e as aprendizagens ocorrem na interação com o mundo real, nas relações de afeto, na presença, no olho no olho, no calor do toque.

 

Como os Pais devem estar atentos ao conteúdo exposto aos seus filhos? As crianças estão expostas a uma variedade de conteúdo pela internet. Os pais precisam conhecer o que os filhos estão acessando e vendo. Por trás dos Youtubers e Influencers que as crianças e adolescentes seguem, existe  um forte apelo mercadológico e consumista. Existe o perigo de conteúdos inadequados, as fakenews e ainda o risco de armadilhas de pedofilia. Os pais devem atuar como mediadores, e monitores da vida online das crianças e também negociar os limites de tempo de uso.

 

Muitos pais acabam recorrendo aos eletrônicos para entreter os filhos e conseguir dar conta das tarefas de casa. Há algum jeito de fugir desse roteiro? A linguagem dos smartphones e tablets é uma linguagem de isolamento. Há um perigo muito grande nessa ausência de mediação.  As máquinas “falam” com as crianças de maneira fria, impessoal, descontextualizada, desprovida das experiências vivenciadas dos adultos, sem a transmissão de valores culturais.

As crianças precisam ser participantes da vida da casa. Este é o momento de fazermos juntos. Incluir as crianças nas tarefas que precisam ser executadas, delegar algumas  tarefas de acordo com a faixa etária das crianças. Compartilhar de forma lúdica as atividades do dia a dia como  preparar as refeições, lavar a louça, arrumar a cama, regar as plantas, dar comida para os animais domésticos, etc. Tudo é aprendizagem, talvez até muito mais significativa e também capaz de trabalhar a autonomia e autoestima da criança.

Para fazer diferente, a partir da realidade de cada família, é importante  organizar uma rotina que respeite e contemple todos os tempos. Tempo de promoção da saúde com horas adequadas de sono, atividade física, banho de sol. Tempo para as aulas online e atividades escolares. Tempo offline para o brincar livre para as crianças menores e no caso das  mais velhas, para  atividades  em que possam expressar sua subjetividade por meio de desenhos, colagens, trabalhos manuais, jardinagem, fotografia, música.  Tempo de ócio, momentos de  não fazer nada para que permita que a criatividade floresça, e por fim tempo de convívio salutar – um jogo em família à noite, contação de histórias para os pequenos e o que mais fizer sentido de acordo com o contexto de cada família, não existe um manual, uma receita pronta.

 

É possível identificar quando o mundo virtual começa a fazer mal para alguma criança? De acordo com o Dr. Cristiano Nabuco de Abreu, psicólogo e coordenador do Grupo de Dependência Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do  Hospital das Clínicas de São Paulo, a situação é preocupante. Ele tem atendido casos de crianças viciadas em smartphones, videogames e tablets, incapazes de se relacionar sem ser virtualmente, de manter a concentração e até mesmo dar sequência a um raciocínio lógico.  Em sua experiência clínica, tem atendido casos de crianças com pouco mais de 2 anos de idade que não comem, nem vão para a cama se não tiverem um aparelho digital ao lado.

A Dra. Julieta Jerusalinsky, psicanalista especializada em primeira infância, adverte  que estão chegando ao  consultório crianças que diante de algo da realidade que as pertubam, fazem um gesto de passar o dedo sobre uma superfície como se no movimento do touchpad, elas pudessem alterar a realidade. Estão chegando crianças  repetindo fragmentos sonoros extraídos da internet, que não fazem o menor sentido para ela mesma e para os pais, pois os dispositivos digitais  emitem sequências sonoras, mas são incapazes de sustentar uma comunicação efetiva, um diálogo com a criança. Esses são sinais dos impactos negativos do mundo virtual na vida das crianças.

Por outro lado, com as escolas fechadas, a opção dos professores é ministrar aulas online. Como as crianças devem se adaptar e se comportar para acompanhar essa nova modalidade de aprendizado?Estamos todos tateando frente ao novo. Mas é inegável que as aulas online precisam estar  atreladas a um contexto de realidade da criança e permitir que a partir dos conteúdos apresentados ela faça relações com  experiências vividas,  reais.  As crianças apreendem o mundo e aprendem por meio dos estímulos sensoriais, mediante o contato com a materialidade, com o concreto.

Qual o papel da literatura na infância neste momento de isolamento social? A literatura neste momento pode ser uma janela para o mundo exterior. Diferente dos desenhos animados e filmes, os livros não apresentam um cenário pronto ou uma paisagem fixa.  O trabalho em absorver uma história exige que a criança construa suas próprias imagens, e faça conexões para atribuir significado ao que está lendo ou ouvindo no caso de uma contação de história. Isso torna a criança  mais ativa na situação em comparação com a passividade gerada pelo olhar fixo nas telas. Diante das telas, corpo e imaginação ficam inativos,  ao passo que ao ler, ou ouvir uma história, a imaginação é despertada e capaz de percorrer mundos.

Algum registro, mensagem ou consideração final? Para finalizar quero dizer que a reconexão da infância com a natureza, é o que vai fazer o contraponto a este mundo para vez mais digital. A  relação da criança com o mundo natural  é o que vai garantir a formação de uma nova geração de guardiões da natureza e por consequência  a sustentabilidade do planeta Terra.

OBs.: a entrevista aconteceu no dia 28 de maio de 2020.

Abraço caloroso

Ana Lúcia Machado

 

CUIDADO COM O TEMPO GASTO EM FRENTE AS TELAS – CRIANÇAS NA QUARENTENA

O tempo gasto em frente as telas aumentou no mundo inteiro desde as medidas de isolamento social. Todos nós estamos sendo sugados pelos dispositivos digitais – adultos, adolescentes e até mesmo as crianças.

Com a suspensão das aulas presenciais devido à pandemia, milhões de crianças estão vivendo cotidianamente num mundo muito mais digitalizado em frente as telas dos computadores,  smartphones, tablets e também televisores.  Os dispositivos digitais transformaram-se em ferramentas para a educação à distância, meio de socialização com familiares e amigos, e entretenimento.

em frente as telas

As telas invadiram de vez a vida dos pequenos. Entretanto a  exposição excessiva aos aparelhos tecnológicos pelas crianças deve  ser evitada, como recomendam os especialistas.

Como  lidar com os desafios do mundo ainda mais digital? Quais os efeitos  do excesso tecnológico para a saúde física e psíquica das crianças? Quais as influências que essas tecnologias exercem no comportamento infantil durante a fase de formação e desenvolvimento? Há muito mais perguntas do que respostas neste momento, mas existem alguns norteadores para nos auxiliar nesta travessia.

O que precisamos refletir para proteger as crianças?

A recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria é que crianças de até dois anos de idade não sejam expostas a telas e que as de até cinco tenham contato por menos de uma hora por dia. Por quê essa orientação?

A Dra. Julieta Jerusalinsky, psicanalista em primeira infância e desenvolvimento infantil, autora do livro ‘Intoxicações eletrônicas o sujeito na era das relações‘, atribui aos três primeiros anos de vida da criança o sentido de  um “tempo primordial da constituição psíquica, fase que está em jogo a constituição de si, a apropriação do próprio corpo e a relação consigo mesmo, além do estabelecimento das relações com o outro”.  Assim  entende-se que para tornar-se humano, a criança depende do ambiente em que vive, dos estímulos que recebe e da interação e convívio com outros seres humanos.

Questionada sobre como criar filhos neste mundo de telas, a Dra. Jerusalinsky responde  que  “a infância é um tempo da vida crucial para a formação, mas ela termina. Por isso precisamos pensar em como arrumar tempo e lugar para transmitir à criança aquilo que achamos que é decisivo para que ela se torne o adulto de amanhã. Dá muito trabalho, é verdade. Mas ao conviver com uma criança acabamos inventando brincadeiras e evocando passagens da nossa própria infância que, se não fosse pela criança, cairiam no esquecimento. Assim elas acabam por nos fazer um favor aos nos tirar do automatismo da vida adulta e nos convidar a construir uma brincadeira entre gerações. Costuma ser surpreendente o que pode acontecer quando desligamos as telas e abrimos lugar para o convívio”

Em tempo de quarentena, como manter um equilíbrio saudável entre a vida online e offline?

Pais não precisam virar professores e nem entreter as crianças o tempo todo, mas precisam organizar uma rotina familiar, fazer combinados com as crianças e adolescentes, impor limites de horas de uso das telas, permitir o ócio, incentivar outras atividades e atuar como mediadores entre a vida real e virtual.

 

O QUE FAZER COM AS CRIANÇAS EM CASA?

Organize o dia estabelecendo uma alternância entre períodos de expansão e contração, movimento e concentração, atividade e descanso. Essa oscilação pendular promoverá equilíbrio ao ambiente e harmonia nas relações familiares. Não se cobre demasiadamente tentando dar conta de tudo. Aprenda a observar as crianças. Elas dão muitas pistas de como agir com mais leveza e assertividade.

Lembre-se: crianças aprendem constantemente. Mesmo longe da escola elas não param de apreender o mundo e aprender.

COMO ESTIMULAR A CONEXÃO COM A NATUREZA NO DIA A DIA DA CRIANÇAEste é um momento de fazer juntos,  compartilhar de forma lúdica as atividades do dia a dia: preparar as refeições, lavar a louça, arrumar a cama, regar as plantar, dar comida para os animais domésticos, etc. Tudo é aprendizagem, talvez até muito mais significativa e também capaz de trabalhar a autoestima da criança.

No caso das crianças menores, da Educação Infantil, sabemos que a aula online é muito mais desafiadora. Alguns especialistas recomendam manter as lembranças da escola de forma “analógica” – recordando histórias, brincadeiras, canções aprendidas na escola, e revendo o portfólio das crianças do ano anterior.

Outras ideias cabem também aqui, tais como: troca de correspondências entre as famílias, troca de livros com desenhos feitos pelas crianças sobre a história, troca de brinquedos, e a confecção de um álbum de fotos dos amiguinhos da sala.

Considerações e cuidados importantes:

  1. Se as crianças já estão em frente às telas para as aulas online, o que elas podem fazer  offline no seu tempo livre?
  2. Se os dispositivos digitais tornaram-se meios de educação, socialização e entretenimento, quais os limites para a exposição das crianças as telas?
  3. Conheça o conteúdo que as crianças estão acessando. Por trás dos Youtubers e Influencers que as crianças e adolescentes estão seguindo existe um forte apelo mercadológico e consumista.
  4. Cuidado com o efeito viciante dos vídeos games e séries.
  5. Incentive outras atividades que possam ser prazerosas, em que as crianças possam expressar sua subjetividade em relação ao que estão vivendo: desenho, colagem, trabalhos manuais, jardinagem, fotografia, música, etc,
  6. Desconectem-se  dos dispositivos digitais pelo menos 2 horas antes de ir para cama para preservar a qualidade do sono. Algumas pesquisas indicam que a luz emitida por tablets e celulares tiram o sono e podem fazer mal à saúde.
  7. Preserve o convívio familiar salutar longe das telas, com refeições feitas juntos, um jogo em família à noite e contação de histórias para os pequenos.

Não se esqueça, dada a frieza dos interações virtuais, o convívio familiar é a dimensão do real e do humano capaz de acolher e preencher a vida da criança.

 

Abraço caloroso e saúde

Ana Lúcia Machado

O USO DO MUNDO DIGITAL PELAS CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOS

O uso do mundo digitalpelas crianças de 0 a 3 anos

O uso do mundo digital pelas crianças de 0 a 3 anos pode trazer prejuízos? A criança de 0 a 3 anos precisa das mídias digitais para se desenvolver bem? Quando uma criança deve ser exposta a mídias digitais?

Essas e outras perguntas são respondidas neste artigo pela Psicóloga, Psicanalista, Doutora em Psicologia Clínica USP-SP – Claudia Mascarenhas Fernandes, pela Professora Associada de Pediatria e Clinica de Adolescentes da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Evelyn Eisenstein, e pelo Médico Neuro Pediatra da Metaclinica e Neuro Fisiologista do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Eduardo Jorge Custódio da Silva.

A CRIANÇA DE 0 A 3 ANOS E O MUNDO DIGITAL

Qual a idade para uma criança começar a ter acesso online a jogos, vídeos ou filmes? O smartphone pode ser considerado “brinquedo” ou ser usado como “distração”? Quais são as consequências a curto e longo prazo no desenvolvimento cerebral e mental de crianças que tem acesso às telas de televisões, computadores, notebooks ou celulares? Qual a importância do “tempo de telas” para crianças que estão na fase mais importante de seu crescimento e no início das descobertas do mundo à sua volta? Estas são algumas das questões mais urgentes de discussão entre os profissionais de saúde que cuidam de crianças e muitos pais que não sabem como se adaptar aos tempos das novas tecnologias na vida cotidiana junto com seus filhos, algo que iremos descrever neste artigo, como um início de conversa a ser aprofundada por cada um.

O uso do mundo digitalpelas crianças de 0 a 3 anos

Os três primeiros anos de vida constituem uma janela de oportunidades à promoção da saúde. É um período critico do desenvolvimento, quando observamos a fase de maior plasticidade cerebral (capacidade do sistema nervoso de se reorganizar e adaptar as redes neuronais em resposta às exigências ambientais/externas ou orgânicas/internas), ou seja, uma capacidade aumentada do cérebro em se remodelar em função das experiências da criança na descoberta do mundo à sua volta.

As funções cognitivas encontram-se localizadas nas áreas específicas do encéfalo. E para o desenvolvimento da maioria dos processos cognitivos, a interação afetiva positiva e a cooperação de neurônios nas conexões neuronais é fundamental.

No córtex cerebral é possível distinguir varias áreas de associação: Áreas pré-frontal (motora), córtex de associação parieto-temporo-occipital (sensorial), e o córtex de associação límbico (emocional).

Para que o desenvolvimento neuro-psicomotor, e nossas redes neurais se formem corretamente, o ser humano tem etapas a serem cumpridas, com os estímulos adequados a cada faixa etária. O apego positivo e a relação amorosa que a criança estabelece com a sua mãe, seu pai e sua família, ao seu redor, irmãos, tios, avós são fundamentais para o desenvolvimento do prazer nos relacionamentos futuros e a prevenção de muitos transtornos comportamentais e outras psicopatologias, mais tarde. É a formação do binômio mãe-filho e dos vínculos fundamentais para o conceito de família. Ser o “centro da atenção” com suas necessidades básicas é o aprendizado inicial da socialização, mas também das regras básicas da empatia e das respostas que surgirão às questões de convivência e sobrevivência. Por isso, insistimos na proteção familiar e social como fundamento essencial para o crescimento e desenvolvimento saudável dos primeiros anos de vida.

A psicanálise trabalha com a premissa de que “o Sujeito se constitui na sua relação ao Outro”. A psicologia perinatal trabalha com a idéia de que de 0 a 3 anos é momento da vida onde, mesmo que se queira, não se consegue separar corpo e psiquismo. A psicologia do desenvolvimento indica que até os 3 anos se espera que a criança fale na primeira pessoa, “eu”, pois está desenvolvendo a noção que não só existe, mas é uma pessoa muito importante pois quer ser reconhecida e demanda atenção total “do outro” mesmo sendo no caso uma criança. Essas três vertentes fazem levantar algumas questões sobre o uso do mundo digital pelas crianças de 0 a 3 anos.

Uma conseqüência dessa premissa inicial é que todo tipo de relação da criança com o mundo, para ser positiva e favorecer seu desenvolvimento global, precisa passar em alguma instância, pelas relações humanas que a envolvem e que começam a desenvolver com as pessoas da família com quem convive. A relação da criança com o corpo, com os objetos e com os seus semelhantes, está em todos os aspectos, sob esse envoltório maior de um mundo de desejo, de olhar, de palavra, dessa dependência inicial do humano a outro humano, e do espelho das ações dos outros à nossa volta, e que irá marcar as relações humanas, o início da sociabilização.

O USO DO MUNDO DIGITAL PELAS CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOS

Algumas conseqüências da exposição de crianças de 0 a 3 anos às telas e mídias digitais:

O CORPO ESTÁ FORA DA AÇÃO

Para uma criança conhecer o mundo e portanto se desenvolver, sua motricidade precisa estar engajada nesse projeto: de modo concreto, implica deslocamentos, movimentações, coordenações sensoriais, manipulações. É a inteligência sensório-motora. Até 2 anos, a pura imagem, além de não lhe ensinar nada (pois se traduz unicamente por movimentos em frente aos seus olhos) dificulta-lhe a aprendizagem quando economiza ou evita o engajamento do corpo no projeto de conhecer o mundo, começar a movimentar o corpo, engatinhar, andar, tocar objetos e alcançar com suas pernas e braços o mundo ao redor.

O CORPO FICA SEM SENTIR

De todos os sistemas sensoriais, a visão é o sistema mais complexo. No começo da vida, o sistema visual precisa de outros sistemas sensoriais para checar, confirmar e construir as percepções multissensoriais : sensações do tato, da audição, do calor/frio, além do gosto/paladar estão em formação, no desenvolvimento cerebral e mental.

Os sons são vibrações do meio externo que se transmitem ao órgão receptor da audição (ouvido), para o processamento no sistema auditivo e cerebral, e a localização espacial do som, é a identificação no espaço da fonte sonora, o que ajuda na atenção e na memória.

A visão e audição por si só não são suficientes para o desenvolvimento completo das habilidades de: alerta e atenção; motoras, cognitivas; regulação emocional; comunicação e interação social; organização do comportamento e do movimento..

Para um Corpo sentir e o psiquismo poder representar o mundo que entra pelas sensações, é preciso que todas as sensações (visão, audição, olfato, paladar, vestibular, propriocepção, tato) sejam percebidas, organizadas e interpretadas. Se a visão e a audição, se sobrepõem às demais, haverá um processamento deficitário e que poderá desenvolver sérios problemas para integrar todas essas sensações, e portanto, dificuldades em se desenvolver de modo integral, a seguir.

A VIDA LÁ FORA

Os hábitos familiares ligados aos aspectos cotidianos como dormir, comer, passear, estão sofrendo modificações a partir do uso das mídias digitais. A cena de encontrar em restaurantes as crianças com um tablet ou celular, ambos usados como entretenimento na hora da refeição, ou mesmo sendo usados quando os pais se deslocam no transito para que a criança não tenha qualquer incômodo, são alguns exemplos do que estamos vendo atualmente.

Em relação à alimentação, sem sentir fome ou saciedade, os alimentos penetram na boca da criança sem que o gosto, o sabor, o cheiro, o olhar, as pausas, as conversas ocorram e sem desejos ou vontades, como se tudo fosse no “automático” ou com distorções de imagens dos alimentos vistos nas telas.

Passear de carro, viajar de ônibus ou mesmo ficar no carrinho de bebê, deixam de ser vivenciados quando se coloca qualquer imagem de telas à frente da criança: os deslocamentos, os barulhos, as conversas, os problemas, as chatices, as esperas, a tolerância, as relações dos comportamentos dos que estão em volta, as filas… nada disso é percebido pela criança. Ela não experimenta o que se passa nessas situações, pois está absorvida pela tela.

O que entra em jogo nestas e noutras situações é uma adulteração das relações entre demanda/necessidade/prazer/satisfação. A criança vidrada na tela durante esses acontecimentos cotidianos, faz com que não haja espaço entre a demanda e a satisfação, portanto, também para desenvolver a criatividade nesse espaço (o que faço nesse momento de espera, de tédio, de buraco?), consequentemente, nessa impossibilidade de administrar o tempo e as realidades à volta, ocorrem desequilíbrios entre as frustrações e a tolerância necessária que as relações exigem, tanto com o “outro” e consigo mesma.

O uso do mundo digitalpelas crianças de 0 a 3 anos

O BEBÊ VIDRADO

É enganoso também evocar a autoridade do cérebro para justificar o uso de computadores ou eletrônicos para o desenvolvimento de uma criança em sua primeira infância. Em seus dois primeiros anos de vida um estímulo prioritário e muito forte pode prejudicar o que se chama fenômeno de habituação, capacidade do bebê em se desvencilhar de um estímulo excessivo e que não lhe agrada (prazer/dor) ou que lhe amedronta (medo/insatisfação).

Uma das principais características do mundo digital é o seu poder de super estimulação visual em detrimento de todos os outros sentidos. A luminosidade que emana, seu super colorido e os movimentos de seus objetos e personagens, impõem à criança uma dificuldade maior também para se desligar dessa super estimulação. É a criança “vidrada”, “fascinada” que é bem diferente da criança “atenta”. A audição normalmente fica submetida a musicas em tempo binários e movimentos acelerados e bidimensionais que muito mais ajudam a criança ficar “mais vidrada”, e do modo algum se configuram como uma sonoridade que facilite a discriminação auditiva, excluindo portanto a relação com o prazer musical.

SEM DIMENSÕES ESPAÇO TEMPORAIS

A não experimentação do corpo (desde o seu rolamento aos 4 meses) e a falta da tridimensionalidade das experiências também afetarão na percepção do seu próprio corpo e na construção da imagem corporal, o que influenciará na construção das representações do tempo, espaço e de profundidade. As conseqüências podem ser, desde dificuldades de orientações espaciais até as dificuldades na aprendizagem da matemática. Ex: movimentação do corpo em blocos ou a lateralidade (a criança nas suas movimentações, não consegue separar um lado do outro lado, membros inferiores e superiores, dentre outras coisas, o que vai impactar em quase todas as suas tarefas diárias, pois toda criança é ambidestra até os 6 anos, quando irá se estabelecer a dominância do hemisfério cerebral e por isso é preciso que a criança aprenda a se movimentar e ativamente), analfabetismo corporal (a criança não consegue realizar tarefas que exigem coordenações mais elaboradas, por exemplo: calçar o sapato), inseguranças (por não experimentar as coordenações espaço temporais, a insegurança também pode aparecer de modo impeditivo, não brinca de correr, não desce uma escorregadeira, não joga bola ou futebol, prefere começar a dizer “não gosto de fazer isso”, portanto não constrói a noção espacial e temporal consequentemente, e começa a ter medo de explorar o mundo externo à sua volta.

INTERAÇÃO SEM RESPOSTA

Um bebê que olha um adulto, precisa de tempo para conseguir fazê-lo. E ele precisa olhar com cuidado nos detalhes para se relacionar, imitar, ter afetos, aprender pois trata-se de um diálogo afetivo e postural. O adulto recebe do bebê ações que o convocam quase sempre a proteger e acolher a cada vez de modo diferente, promovendo diferentes sentidos. A repetição de imagens que independam das ações do bebê prejudicam seus processos de identificações, podendo torná-lo rígido e estereotipado nas relações. Além do que, o ritmo, nas relações com as telas, quase sempre é determinado pelas telas e por seus personagens, nada que a criança faça ou sinta ou expresse com seu sorriso ou choro, modificará as reações dos personagens.

A VIDA SEM LIMITES

O uso das telas para que os adultos não precisem dar limites, dizer “não”, acompanhar e educar, tem trazido prejuízos à construção das bordas e limites corporais e também das relações com autoridade. A criança “quieta” porque está distraída, entretida ou fascinada com uma imagem, não é uma criança educada, é somente uma criança passiva em frente às telas. Da mesma maneira uma criança “agitada” é somente uma criança que está tentando chamar atenção mesmo que negativa sobre si mesma, pois essa “agitação” é também aprendida nas imagens em movimento acelerado nas telas. Não existem pausas e nem descanso para o relaxamento e as mudanças entre o que é o começo e o que é o final de qualquer tarefa das rotinas diárias (a diferença nas brincadeirinhas e nas rotinas entre o “acabou” e o “de novo”)

Desde bebê, esse tipo de uso impede que a criança apreenda e experimente quais são seus próprios limites corporais e o que não pode fazer e diferencie do que é permitido fazer.

O limite é dado artificialmente por uma entidade externa aos cuidadores importantes da criança e não existe um “NÂO” ou só existe quando o equipamento é desligado ou desconectado da “fonte de energia”, mas nenhuma criança é “on-off” como se fosse uma máquina.

UM BEBÊ SOZINHO

Os cuidadores principais, mãe, pai, avós, irmãos, familiares e as pessoas do convívio contínuo, para além dos cuidados de sobrevivência, oferecem os afetos e os significados necessários para que um bebê possa fazer as leituras e aprender a descobrir sobre o mundo à sua volta.

Sem palavras e sem intermediação do outro, as crianças “de fraldas” expostas às telas, como uma babá eletrônica ou robotizada, experimentam somente relações que passam a ser investidas por imagens impessoais, sem afeto e que como são padronizadas, serão invasivas e sempre presentes na vida da criança, sem as flexibilidades ou regulações comuns das relações humanas. É tudo ou nada (tela ligada x tela desligada).

CADÊ O CUIDADOR

Os cuidadores que ficam também ocupados diante das telas da televisão ou do smartphone, por exemplo, durante as refeições ou nos finais-de-semana, sem “prestar atenção” à criança, não compartilham, não afirmam ou mostram gosto ou desgosto com as experiências e atividades das crianças, os bebês e as crianças menores, que precisam compartilhar em busca do “assentimento” adulto, passam a “desistir” de ganhar esta atenção.

Filmagens de crianças que viram totem idealizados ou mesmo monetizados (como objetos de lucro) para serem “postadas” como fetiches ou idealizadas em sua inocência ou mesmo abusadas e exploradas sexualmente ou violentadas, muitas vezes distorcidas em imagens produzidas ou “fake” (sorrisos agora para as telas) e que perdem a espontaneidade do momento. Assistimos ao gozo com o sofrimento, que pode ir desde a indiferença aos maus tratos nos cuidados com a criança.

SEM FALTAS

Super presença das telas no cotidiano, com muitas horas “ligadas” (duração e frequência no meio de rotinas como nas horas de refeições ou antes das horas de dormir) compromete o simbólico (que é construído pelo par presença/ausência), e desenvolve a crença que o outro está sempre disponível ali na frente ou no toque dos dedos ao deslizar das telas e imagens no celular. Isolamento e redução dos laços sociais: o outro digital não me oferta nada no par amar-ser amado. (Dunkan, 2017). Importante também enfatizar o início dos problemas como os transtornos de sono, pois o tempo para dormir, descansar e acalmar não é respeitado com as telas ligadas, com ruídos altos, movimentos e cores brilhantes que nunca desligam ou são desligadas.

CONCLUINDO

O uso do mundo digital por crianças de 0 a 3 anos de idade num período fundamental de crescimento e desenvolvimento cerebral e mental é prejudicial e, portanto, não se recomenda o oferecimento de telefone celular ou smartphone como um “brinquedo” ou “distração” segundo os autores e em concordância com as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Academia Americana de Pediatria (AAP).

Leia também: INFÂNCIA DIGITAL – O PERIGO DA DESCONEXÃO COM A VIDA

Abraço carinhoso

Ana Lúcia Machado