Browsing Tag

minha vida de menina

BRINCAR – SUBSTRATO PARA A VIDA

Brincar é substrato para a vida. O brincar é o motor da infância que garante a potência para a vida adulta. Brincando  a criança desenvolve competências que serão requisitadas mais tarde nas relações interpessoais e de trabalho. Infelizmente as novas gerações estão sendo privadas deste tempo e espaço de brincar livre.

Brincar é uma atividade instintiva, natural e espontânea da criança. Ele é essencial para o desenvolvimento infantil integral e saudável, e segue tendo sua importância ao longo da vida adulta, porque afinal somos seres lúdicos.

 

POR QUE BRINCAR É IMPORTANTE?

Stuart Brown, psiquiatra americano, pioneiro na pesquisa sobre o brincar, descobriu por meio de seus estudos que crianças tolhidas na sua necessidade de brincar terão dificuldades de decodificar o mundo , que brincar bastante na infância gera adultos felizes e bem sucedidos e que a capacidade de continuar nutrindo este ser brincante que somos, nos mantém joviais e saudáveis ao longo da vida.

Como resultado de suas pesquisas, Stuart afirma que:

“Brincar desenvolve músculos e habilidades sociais, fertiliza a atividade cerebral, aprofunda e regula emoções, nos faz perder a noção do tempo, proporciona um estado de equilíbrio, ajuda a lidar com as dificuldades, aumenta a expansividade e favorece as conexões entre as pessoas. Ao brincar ativamos o lado direito do cérebro, que está ligado à criatividade, emoção, imaginação, intuição e subjetividade”.  

Brincar - Substrato para a vida

Em abril de 2016 a empresa Unilever divulgou uma pesquisa sobre o valor do brincar livre, realizada  pela Edelman Berland, agência independente de pesquisa de marketing. A agência entrevistou 12.170 pais em 10 nações: EUA, Brasil, Reino Unido, Turquia, Portugal, África do Sul, Vietnã, China, Indonésia e Índia.

O QUE A PESQUISA DETECTOU:

– A maioria das crianças não sai para brincar ao ar livre,  56% das crianças passa uma hora ou menos brincando ao ar livre. Uma em cada 5 crianças passa 30 minutos ou menos ao ar livre; e uma em cada 10 nunca brinca ao ar livre. Em todos os países pesquisados, as crianças passam 50% a mais do seu tempo brincando em frente às telas dos eletrônicos do que ao ar livre.

– Os pais entendem que isso é um problema. Dois terços dos pais admitem que seus filhos brincam menos ao ar livre do que sua própria geração. A maioria dos pais (56%)  concorda que é preciso reequilibrar a rotina das crianças para fazer com que as brincadeiras que trazem benefícios para o crescimento possam acontecer – e 93% deles acreditam que brincar menos ao ar livre afeta o aprendizado dos filhos.

Brincar - Substrato para a vida

Para chamar a atenção para a carência do brincar livre, a Unilever criou uma campanha de impacto “Libertem as crianças“, que tem como ideia central a comparação do tempo de banho de sol dos presidiários ao tempo de brincar da criança ao ar livre.  Pode parecer um pouco exagerada, mas o objetivo é chocar e levar a sociedade a uma grande reflexão sobre a importância do brincar em contato com a natureza na infância. Assista o vídeo AQUI.

Anos atrás, li o  livro  “Minha vida de menina” –  diário de uma garota de Diamantina (MG), no  final do século XIX, que narra os acontecimentos do seu cotidiano, revelando os costumes da sociedade da época, a estrutura familiar e todo o universo que cerca a menina, com seus conflitos, temores e sonhos.

Nos relatos de Helena Morley, pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant (1880-1970), me encantou sua admiração e intimidade com a natureza. Ela conta que certa vez sofreu uma queda de um cavalo e machucou o joelho, o que lhe obrigou a ficar em repouso, presa dentro de casa, e comenta:

 “Como é horrível ficar presa num rancho, sabendo que há tanta coisa boa para a gente fazer! Quando eu penso que podia estar no córrego pescando ou mesmo atrás das frutas do mato, dos ninhos de passarinho, armando arapuca e tudo…”

Helena continua a se lamentar e diz que só voltará  a se sentir feliz quando estiver novamente lá fora.

Vivemos em outros tempos, e não poderia ser diferente. Entretanto é chocante constatar que hoje a realidade de nossas crianças é completamente oposta. Atualmente as crianças não sabem mais o que  fazer do lado de fora, mesmo em férias no campo ou na praia, não conseguem explorar todas as possibilidades que o mundo em ambiente aberto, ao ar livre,  pode proporcionar.

Brincar - substrato para a vida

 

A tela do pintor holandês Pieter Bruegel, intitulada “Brincadeiras Infantis” retrata um  pátio da Europa do século XVI. Mostra um tempo onde o brincar foi mais valorizado pela  humanidade. Podemos observar  adultos e crianças brincando, brincadeiras individuais, coletivas, jogos, atividades físicas, etc.  Rubem Alves, poeta, filósofo brasileiro, nos desafia ao dizer que já enumerou 60 brincadeiras nesse quadro. A maioria das brincadeiras de Bruegel, são do lado de fora. Em foco brincadeira de bolas de gude.

 

ONDE NASCE O BRINCAR?

O brincar tem origem na curiosidade e necessidade de exploração da criança para construção do seu próprio mundo, sua identidade, a imagem de si e a compreensão do mundo que a cerca.

O brincar ensina tudo o que os pequenos precisam aprender sobre a dinâmica interna e estrutura do seu próprio corpo.

Quando brinca a criança está inteira na brincadeira, pois brinca com todo o seu ser. Brincando ela aprende a se concentrar, experimenta o estado de flow, tão cobiçado e valorizado na atualidade.

As primeiras brincadeiras acontecem quando a criança começa a sorrir. Seu sorriso é uma expressão aberta que convida a brincar, a penetrar no seu mundo lúdico. Mãe e bebê se entreolham, a mãe balbucia, o bebê também. A vivência é de puro encantamento para ambos.

Brincar - substrato para a vida

O corpo é o primeiro brinquedo da criança a partir da descoberta das mãos e pés, depois com os rolamentos aos seis meses, seguido dos primeiros passos por volta de um ano. Aos dois anos a criança adquire a habilidade de pular e passa muito tempo treinando e se divertindo com seu corpo-brinquedo.

As crianças possuem atividade motora intensa, muita energia, imaginação e curiosidade. Elas correm, pulam, saltam, gritam, cantam, rolam, rodam, escorregam, se penduram, ficam de ponta cabeça, dão cambalhotas, se agacham, dançam, etc.

Criança é puro movimento, e qualificar seus movimentos naturais de indisciplina, falta de controle ou tentar conter sua energia, é privar a criança de ser ela mesma e de conhecer o mundo. Criança necessita de tempo e espaço de brincar livre.

Na sociedade contemporânea o brincar livre está em declínio. Especialistas na área de educação e saúde vêm alertando sobre a diminuição do tempo de brincar das crianças.

A Educação Infantil está cada vez mais parecida com o Ensino Fundamental. Crianças de 4, 5 anos, ainda ávidas por correr, pular, girar, são requisitadas para atividades cognitivas que exigem um corpo estático e destreza em habilidades ainda em desenvolvimento, como a coordenação motora fina. Raquel Franzim, assessora pedagógica do Instituto Alana, fala que “A criança aprende o mundo com todo seu corpo não  apenas com os dedos de uma mão”.

Autoridades escolares diminuíram o intervalo do recreio para criar espaço para mais conteúdo curricular. Em algumas escolas as crianças não podem mais correr. Com isso os consultórios de psicologia estão cada dia mais cheios de crianças com problemas de falta de concentração, ansiedade, e vários transtornos.

Será que não estamos adoecendo nossas crianças? Será que o aumento desses distúrbios, a obesidade infantil, doenças cardiovasculares, não estão diretamente ligados ao tempo insuficiente do brincar? Será que não estamos tolhendo as crianças do seu verdadeiro ofício que é o brincar livre, criativo, imaginativo?

A carência do brincar leva ao risco das crianças não desenvolverem habilidades importantes para a vida adulta. Precisamos libertar nossas crianças, tirá-las dos quadrados das telas do mundo tecnológico, resgatar o mundo redondo infantil.

Leia também: O mundo da criança é redondo

Desde 1999, por iniciativa da Associação Internacional de Brinquedotecas, criou-se o Dia Mundial do Brincar, celebrado em 28 de maio. No Brasil, a Aliança pela Infância, incentiva este movimento há mais de dez anos e o ampliou para ser celebrado durante uma semana inteira. A SMB é uma grande mobilização em defesa da valorização e reconhecimento da importância do brincar para a infância.

Brincar - substrato para a vida

Como disse no início deste texto, brincar segue tendo importância por toda a vida, não só na infância. Foi pensando nisso que a  Maria Farinha Filmes lançou em 2014 o documentário “Tarja branca – A Revolução que faltava”.  O título do filme é uma alusão irônica aos remédios ‘tarja preta’. O documentário inspira o resgate da criança interior e procura mostrar que brincar é fundamental em qualquer idade.

Para finalizar, deixo a dica do e-book gratuito “Brincando com os quatro elementos da natureza”, que você pode baixar se cadastrando aqui no Educando Tudo Muda. Nele você encontrará inúmeras sugestões de brincadeiras naturais ao ar livre, em contato com a natureza.

Bora brincar! Desperte sua criança interior. Dê as mãos aos seus filhos e ou alunos para viver a alegria de ser criança.

Abraço carinhoso

Ana Lúcia Machado

 

SABOTADORES DA INFÂNCIA – DA ESCASSEZ AO EXCESSO

Sabotadores da infância

A  luta por uma infância digna ainda é grande e deve ser nossa prioridade absoluta. São vários os sabotadores da infância que precisam  ser combatidos. Eles vão desde aspectos caracterizados pela escassez, até o outro extremo, os excessos da sociedade.

O desenvolvimento saudável da Primeira Infância é a base da prosperidade econômica e justiça social de uma nação. Sabemos que as primeiras experiências da vida de uma criança são incorporadas por ela, permanecendo por toda a vida. O que é vivenciado na infância afeta o  aprendizado, o comportamento, saúde, e segue reverberando ao longo da existência de cada indivíduo. Por isso, os sabotadores da infância que apontaremos aqui, precisarão ser encarados com seriedade em todas as esferas.

Nos próximos artigos no Educando Tudo Muda vamos falar um pouco sobre cada um dos sabotadores da infância. Queremos aprofundar um a um.

SABOTADORES DA INFÂNCIA

  1. TRABALHO INFANTIL

O trabalho infantil é um dos mais vis sabotadores da infância, um grave problema que enfrentamos no país. Mais de 2,670 milhões de crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, trabalham no Brasil, segundo informações da Rede Peteca/Chega de Trabalho Infantil. O trabalho infantil está ligado às atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não.

Pesquisa divulgada pela OIT – Organização Internacional do Trabalho, constata que o setor que mais explora a mão de obra infantil no mundo, é o agrícola, representando 58,6%, seguido pelo setor de serviços, com 32,3%, sendo 6,9% em serviços domésticos, e do setor industrial, correspondendo a 7,2%.

Sabotadores da infância

O trabalho na agricultura expõe a criança a uma série de riscos: intoxicação por agrotóxicos, queimaduras solares, transporte de peso excessivo, instrumentos cortantes, etc.

O corpo da criança  está em formação. Ossos e músculos ainda não estão totalmente desenvolvidos e podem sofrer deformações. Fígado, baço, rins, estomago e intestinos estão mais sujeitos à intoxicação.

Com relação ao trabalho doméstico, as meninas são as que mais sofrem. Muitas trabalham apenas por comida ou roupa, sem  remuneração. Elas correm maior risco de violência física, psicológica e abuso sexual.

A Constituição Federal proíbe o trabalho infantil. A idade mínima para o trabalho é de 16 anos. Antes disso, a partir dos 14, o adolescente pode ser apenas aprendiz.

O trabalho precoce prejudica a vida toda de um indivíduo. Compromete a infância pela falta do brincar, e  aprender. Prejudica a escolarização e acaba levando ao abandono escolar. Uma criança que entra no mercado de trabalho dessa maneira, receberá um salário menor por toda a vida.

Muitas vezes esta realidade parece  distante de nós, mas basta circular pelas feiras livres da cidade para constatar a presença de crianças trabalhando.  Recentemente no Carnaval de rua da cidade de São Paulo, muitas crianças trabalharam duro ao lado de vendedores ambulantes.

O trabalho infantil causa danos enormes sobre o aspecto físico, emocional, intelectual e social da criança, que é um ser em formação. Perpetua o ciclo da pobreza e miséria,  e não promove a criança para a vida social.

 

2. ALFABETIZAÇÃO PRECOCE

A aceleração do letramento é um dos sabotadores da infância mais desrespeitosos à natureza da criança. Faço parte de uma geração que passou os primeiros anos de vida brincando em casa, com amigos da vizinhança, cuidando da minha cachorrinha, ouvindo histórias, andando de bicicleta nas ruas do meu bairro, e assim descobrindo e explorando o mundo. Na pré-escola , até os 7 anos,  aprendi muitas canções, ouvi muitas histórias, desenhei, pintei, recortei, colei, pulei corda, brinquei de roda, casinha, médico, professora. Aprendi a dividir com os amiguinhos, jogar de acordo com as regras, pedir desculpas quando necessário, cuidar das plantinhas, guardar e arrumar o que tirava do lugar, não mexer no que não fosse meu.

Há uma grande diferença entre a minha vida de menina e a vida das crianças nos dias de hoje. Os anos pré-escolares se transformaram em uma competição acadêmica exaustiva. A Educação Infantil ficou muito parecida com o Ensino Fundamental, por causa da ênfase na alfabetização.

Sabotadores da infância

Atividades que requerem que a criança seja capaz de se sentar em uma mesa e completar uma tarefa usando lápis e papel, que antes estavam restritas às crianças de 5 e 6 anos de idade, são agora dirigidas às crianças ainda mais novas, que não têm habilidades motoras e não têm a capacidade de concentração para isso, com exigências de que devem concluir seus trabalhos e atividades, antes que possam ir brincar.

Na contra mão desta aceleração,

especialistas afirmam que o aprendizado formal  é mais produtivo  a partir dos 6 anos de idade, pois é quando as crianças são mais capazes de lidar com ideias abstratas. Afirmam também que  crianças que chegam à escola socialmente adaptadas, que sabem seguir instruções, compartilhar, ajudar os amigos, terão mais chance de dominar a escrita, a leitura, e os números.

Em 2007, o Conselho de Pesquisa Econômico e Social da Inglaterra publicou um documento que contou com a participação de dezessete especialistas de diversas universidades europeias interessados na discussão entre a neurociência e a educação, que diz o seguinte:

“Contrariando a crença popular, não existem evidências neurocientíficas que justifiquem começar a educação formal o quanto antes. A plasticidade do cérebro é um fenômeno que dura a vida inteira, não somente nos primeiros anos.”

O trabalho nos primeiros anos de vida com a criança deve estar focado no desenvolvimento integral do ser humano, centrado no amadurecimento emocional, psicológico e social da criança.

 

 3. DÉFICIT DE NATUREZA

Estatísticas mostram que 80% da população brasileira vive em cidades e que as crianças que moram nos grandes centros urbanos passam 90% do seu tempo em locais fechados, dentro de casa,  em frente da televisão, jogando vídeo games, ou nas escolas dentro de salas de aula. Quando saem com os pais vão ao shopping, restaurante ou cinema.

Segundo dados do relatório Children & Nature Network, as crianças brasileiras  estão entre aquelas que tem menos contato com a natureza. Doenças que passaram a ser comum entre as crianças nos dias de hoje, tais como  transtorno de hiperatividade, déficit de atenção, depressão, pressão alta e diabetes, obesidade, estão diretamente ligadas com a falta de natureza.

Um movimento de retorno à natureza está se espalhando pelo mundo e já chegou ao Brasil. Trata-se do movimento de incentivar as crianças  a brincar ao ar livre, em áreas verdes. Uma pesquisa recente mostrou que 40% das crianças brasileiras passam uma hora ou menos ao ar livre. Um número inexpressivo. A expressão Transtorno do Deficit de Natureza  está circulando e sendo usado  por pediatras, psicólogos, educadores. Médicos já estão prescrevendo natureza para as crianças.

Sabotadores da infância

O que a falta de natureza pode causar?

-musculatura fraca, pela falta de atividade física

-falta de equilíbrio, pelo predomínio de pisos lisos, cimentados que oferecem pouca oportunidade de instabilidade na movimentação corporal

-obesidade infantil, associada a maus hábitos alimentares

-deficiência de vitamina D

-aumento de incidência de miopia

-menor uso dos sentidos

-ansiedade

Os benefícios da natureza já estão comprovados. Mais tempo ao ar livre regula hormônios, reduz a agressividade, hiperatividade e obesidade. Sucesso vem sendo obtido no tratamento de transtorno de déficit de atenção, depressão, e até mesmo quadros alérgicos, pois o contato com os antígenos naturais no campo ou na praia  fortalece o organismo. Além disso, aumenta  a capacidade cognitiva, e  as crianças ficam mais focadas e criativas.

Uma caminhada por uma mata fechada é capaz de promover bem estar e  tranquilidade. Assim que os odores da mata adentram o organismo humano, os níveis de estresse e irritação diminuem. A exposição mais prolongada e intensa ao cheiro do verde pode reduzir  a pressão arterial e fortalecer nossa imunidade.

Entre os sabotadores da infância apresentados, a desconexão com o mundo natural é aparentemente o mais simples de se resolver, entretanto requer esforços das famílias e das escolas para que se reverta este cenário de afastamento e se estabeleça novos hábitos de conexão no cotidiano das crianças.

 

LEIA TAMBÉM: O MUNDO DA CRIANÇA É REDONDO

 

4. USO EXCESSIVO DA TECNOLOGIA

O acesso precoce e abusivo dos dispositivos digitais por crianças pequenas, é um dos sabotadores da infância que vem “trabalhando” em silêncio há algumas décadas e que agora explode de maneira assustadora.

Hoje já são oito milhões de pessoas viciadas em internet no país, segundo o Grupo de Dependência Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do  Hospital das Clínicas de São Paulo. De acordo com o Dr. Cristiano Nabuco, psicólogo e coordenador do Grupo, a situação é preocupante. Ele tem atendido casos de crianças viciadas em smartphones, videogames e tablets, incapazes de se relacionar sem ser virtualmente, de manter a concentração, dar sequência a um raciocínio lógico. Há casos de crianças com um pouco mais de 2 anos de idade que não comem, nem vão para a cama se não tiverem o aparelho ao lado.

A recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria é que crianças menores de 3 anos não tenham acesso e nem sejam expostas passivamente aos aparelhos tecnológicos. Às crianças maiores, a orientação é de limitar o uso ao máximo uma hora por dia. Recomenda-se ainda que crianças de 0 à 10 anos não tenham TV no quarto.

Por que  pais e educadores devem ficar atentos ao acesso tecnológico precoce e intenso?

O Dr. Cristiano Nabuco explica que “nosso cérebro sofre um processo de amadurecimento que só é finalizado após a maioridade, aos 21 anos. A região do córtex pré-frontal é a última área a ser finalizada, e o córtex é responsável pelo nosso raciocínio lógico e também pelo controle dos impulsos, nosso freio comportamental”. E mais: “existem operações mentais que precisam naturalmente serem feitas e o grau de estimulação de um tablet desrespeita essa ‘ecologia’, essa natureza de desencadeamento da lógica”.

Já se sabe por meio de estudos que quanto mais a criança ficar exposta a tecnologia, piores serão suas funções cognitivas, como a memória e desenvolvimento da atenção. O uso precoce e excessivo da tecnologia na infância pode prejudicar o desenvolvimento infantil, causando dificuldade de concentração, má qualidade do sono, sedentarismo, problemas de saúde mental, atraso de aprendizagem, entre outros distúrbios.

O mais interessante é que pais que trabalham no Vale do Silício, a meca tecnológica dos EUA, executivos de grupos como Google, Apple, Hewlett-Paackard, eBay, etc, tem preferido matricular seus filhos em escolas que sequer têm wi-fi. Não é a tecnologia usada em sala de aula o que julgam importante para o aprendizado da criança, e sim a filosofia de aprendizagem. Tudo porque eles entendem que a tecnologia de hoje será obsoleta amanhã, e que o relevante é o estímulo à criatividade, curiosidade,  habilidades artísticas, e a capacidade de mudanças. O próprio Steve Jobs foi um pai low-tech que controlava e limitava a quantidade de tecnologia aos filhos dentro e fora de casa.

As crianças só migram para a tecnologia porque estão confinadas em casa. Pense nisso.

 

    5.AGENDA LOTADA

Este é um dos sabotadores da infância mais sutis, que passa desapercebido pela maioria de nós. Já parou para pensar na complexidade das agendas infantis atualmente?  Muitas crianças mantêm uma agenda que faria qualquer CEO adoecer. As crianças são levadas de um compromisso a outro, de segunda-feira à sábado. Suas agendas estão lotadas de cursos extracurriculares, do balé para o inglês, mandarin, da yoga para o Kumon, e também natação, judô, piano, etc… Muitas crianças têm atividades extracurriculares no mínimo três vezes por semana, ultrapassando 50 horas semanais de atividades, entre escola, cursos, esportes e reforços escolares.

Sabotadores da infância

O que pretendemos com isso? Formar uma  super geração competitiva? Prepará-los  para o sucesso? A superestimulação promovida pelos adultos tem  levado as crianças ao esgotamento. Estímulo demais, concentração de menos. Estamos adoecendo nossas crianças.

Esquecemos que elas desde cedo tem no próprio ambiente natural, familiar, estímulos suficientes para seu desenvolvimento. Os estímulos externos criados artificialmente pelos adultos com o intuito de acelerar o desenvolvimento, anulam o que a criança tem de mais precioso que é sua motivação interna, alimentada por sua curiosidade inata.

O não fazer nada para a criança é muito importante, é o momento que ela faz de conta, inventa brincadeiras, faz seu brinquedo.  O tempo livre, o “tédio”, nada mais é que a oportunidade da criança entrar em contato consigo mesma,  estimular o pensamento, a fantasia e a concentração.

 

    6.MEDICALIZAÇÃO INFANTIL

Você sabia que o Brasil é o segundo maior consumidor  mundial de Ritalina? Trata-se de um medicamento indicado para o tratamento de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Em 2010 foram vendidas  cerca de 2 milhões de caixas, um aumento de 775% na última década, segundo a Anvisa.

Estamos vivendo um momento de patologização extrema de comportamentos infantis. Milhares de crianças estão sendo diagnosticados com algum tipo de transtorno: Transtorno de Défict de Atenção, Hiperatividade, Transtorno  Desafiador Opositor,Transtorno Obssessivo  Compulsivo, Transtorno do Comportamento Disruptivo, Transtorno Desintegrativo,  Transtorno de Ansiedade, Dislexia e por aí vai.  Até mesmo crianças pequenas estão engolindo antidepressivos com leite.

Com a justificativa de melhorar o desempenho escolar, as  conquistas de desenvolvimento que não acontecem no período esperado, e promover mudanças comportamentais não aceitas socialmente,  o medicamento tarja preta,  Ritalina, Concerta , tem sido prescrito, para tornar as crianças “obedientes, disciplinadas e concentradas”. Este é um dos sabotadores da infância mais covardes.

Para se ter uma ideia da gravidade da situação, já temos uma entidade voltada para o tema, a Associação Brasileira de Cientistas para Desconstrução de Diagnósticos e Desmedicalização,  além de um curso com este foco,  “Da palmatória a ritalina – especialização em desconstrução de diagnósticos para desmedicalização”.

Atualmente já são  quase 500 tipos descritos de transtornos mentais  e de comportamentos, segundo o Manual de Diagnósticos e Estatísticas de Doenças Mentais.  Coisas normais da vida como a timidez, a teimosia, ou até mesmo a rebeldia infantil, estão sendo enquadradas em algum tipo de transtorno. É a normalidade e as diferenças individuais sendo medicalizadas.

Sabotadores da infância

Precisamos fomentar este debate em prol da saúde da criança e  enfrentar cada um dos sabotadores da infância de frente. Sopre esta semente ao vento, há de cair em solo fértil e tornar-se árvore frondosa. Participe deixando seu comentário e compartilhando este artigo.

abraço carinhoso

Ana Lúcia Machado